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O Governo Federal enviou ao Congresso Nacional, no dia 30 de Abril de 2019, a Medida Provisória da Liberdade Econômica Nº 881/2019 (“MP“), que visa a estimular o empreendedorismo no país. O texto estabelece normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica, bem com regulamenta a atuação do Estado como agente normativo e regulador.

A MP fundamentou-se nos denominados direitos essenciais de pessoa natural e jurídica, de liberdade no exercício de atividades econômicas, presunção de boa-fé e intervenção mínima do Estado sobre o exercício das atividades econômicas, tendo alterado disposições nas principais leis comerciais e civis do país, dentre elas, a Lei nº 10.406/2002 (“Código Civil“), a Lei nº  6.404/1976 (“Lei das S.A.“), a Lei nº 11.101/2005 (“Lei de Falência e Recuperação Judicial“) e a Lei 6.015/1973 (“Lei de Registros Públicos“).

A nova redação da MP optou por alterar a Lei 11.598/2007, que criou o REDESIM, dispensando autorizações, licenças e alvarás para atividades definidas como sendo de baixo risco, impondo como requisito a mera apresentação de declaração nesse sentido. Portanto, a MP estabelece maior liberdade no exercício de atividades econômicas de baixo risco, no tocante a horários e dias, buscando a geração de empregos.

O Ministério da Economia afirma que o objetivo da MP é garantir a livre iniciativa e o amplo exercício da atividade econômica, favorecendo, especialmente, os pequenos empreendedores.

Destaca-se também a expressa presunção de boa-fé do particular em suas negociações, nos termos do artigo 2º da MP, segundo o qual “são princípios que norteiam o disposto nesta MP: (…). II – a presunção de boa-fé do particular“, visando assegurar como direito de toda pessoa, natural ou jurídica, a presunção de boa-fé nos atos praticados no exercício da atividade econômica.

Conhecida também como “MP das Startups“, a norma prevê ainda imunidade burocrática para a inovação, criando um ambiente propício para o desenvolvimento de novos produtos e serviços, incluindo a criação de startups, mesmo em um cenário de incerteza. Poderão ser realizados testes, gratuitos ou não, para grupos privados e restritos, afastados efeitos de normas infralegais que estejam desatualizadas ou impeçam o desenvolvimento desses produtos, desde que não coloquem em risco a saúde ou segurança pública.

Já no âmbito civil e societário, em seu artigo 7º, com alteração do artigo 50 do Código Civil, a MP trouxe perceptíveis mudanças de aspecto comercial, por meio da qual foram inseridos requisitos claros quanto à desconsideração da personalidade jurídica.

Nos termos da redação proposta, a desconsideração somente teria o condão de atingir os sócios que tenham se beneficiado direta ou indiretamente pelo abuso da personalidade jurídica, protegendo aqueles que não estariam envolvidos e/ou que não teriam se beneficiado. Ainda, institui parâmetros mínimos, e as suas respectivas definições, à aplicação do referido instituto:

 

(a)   Desvio de finalidade: utilizar a pessoa jurídica de forma dolosa visando lesar credores e praticar atos ilícitos.

(b)   Confusão patrimonial: indistinção entre o patrimônio do sócio e da pessoa jurídica, definida pelo cumprimento repetitivo, pela pessoa jurídica, de obrigações do sócio, e vice-versa, e transferência de ativos e passivos, não insignificantes, entre tais partes.

(c)    Desconsideração inversa: possibilidade de aplicação da desconsideração inversa da personalidade jurídica.

(d)   Grupo econômico: limitação à extensão da aplicação da desconsideração da personalidade jurídica para sociedades pertencentes ao mesmo grupo econômico.

(e)   Extensão da função sociallimite à aplicação da desconsideração da personalidade jurídica em caso de mera extensão da finalidade social da personalidade jurídica.

Fazemos breve advertência no tocante à parametrização do instituto da desconsideração da personalidade jurídica prevista na MP, uma vez que se por vezes visa proteger e incentivar o empreendedorismo, a verificação de ato doloso e de repetição de atos para a caracterização do desvio de finalidade e da confusão patrimonial, respectivamente, dificulta a efetiva aplicação da desconsideração da personalidade jurídica.

Do ponto de vista societário, as alterações de maior relevância foram realizadas no Livro II da Parte Especial do Código Civil, com a inserção do artigo 980-A e do parágrafo único ao artigo 1.052, e a criação de um Capítulo X do Título III, do Livro III do Código Civil sobre fundos de investimento.

O artigo 980-A, que disciplina a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI), expressamente esclarece que os patrimônios do sócio e da EIRELI são autônomos e independentes.

Por sua vez, a inserção do parágrafo único ao artigo 1.052 do Código Civil, resulta na permissibilidade da anômala figura da sociedade limitada unipessoal, o que, até o momento, exceto pela figura específica da EIRELI, não existia. A principal crítica de tal inclusão é no sentido de que a inovação poderá esvaziar a EIRELI.

Já com relação aos fundos de investimento, foram incluídos os artigos 1368-C, 1368-D, 1368-E ao Código Civil, matéria esta antes não tratada pelo Código Civil, pois, nos termos da Lei. 6.385/76, seria de competência da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

A MP altera, ainda, Lei das S.A., sendo a principal alteração a permissão à Comissão de Valores Mobiliários de reduzir exigências para admitir a entrada dos pequenos e médios empreendedores no mercado de capitais. A ideia é que empresas brasileiras não precisem abrir seu capital no estrangeiro onde encontram menos burocracia.

Na esfera contratual, foram diversas as modificações realizadas ao Código Civil. Primeiramente, a MP inseriu na parte final do caput do artigo 421 de tal dispositivo legal, que consagra o princípio da função social do contrato, a necessidade de observância ao disposto na chamada Declaração de Direitos de Liberdade Econômica. O acréscimo parece ter tentado prestigiar os princípios norteadores da referida MP, quais sejam, a “proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica” (art. 1º) e a intervenção mínima do Estado nas atividades econômicas.

Também alterou certas disposições sobre contratos de adesão, especificamente o artigo 423 – que trata da intepretação pró-aderente, substituindo a referência a cláusulas “ambíguas ou contraditórias” que constava de sua redação original pela alusão a cláusulas “que gerem dúvida quanto à sua interpretação“; e o parágrafo único do artigo 423 – a qual prevê que quem redige a cláusula que gere dúvida não pode se beneficiar da sua falta de clareza, devendo tal cláusula ser interpretada em favor da contraparte.

Assim sendo, a edição da MP visa incentivar o empreendedorismo e o ambiente de negócios do país. No entanto, na prática, teremos ainda que aguardar regulamentações complementares e a tramitação da MP no Congresso Nacional.

Por fim, ressaltamos que constam do presente comunicado apenas as principais alterações às normas legais, existindo ainda outras alterações trazidas pela MP.

 

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