O mundo está vivenciando uma pandemia sem precedentes em razão do novo agente do coronavírus (COVID-19). Inevitavelmente, alguns setores econômicos serão bastante afetados, uma vez que, para evitar a propagação do vírus, várias medidas restritivas estão sendo adotadas, sobretudo para evitar o contato entre as pessoas.
Destaca-se que o presente informativo foi finalizado em 25/03/2020 às 16h00 e que a nossa equipe está acompanhando de perto as mudanças no cenário jurídico, buscando as melhores alternativas para os nossos clientes. Sabemos que a conjuntura única e sem precedentes continuará trazendo uma série de modificações cotidianas, que demandam a tomada de decisões bem informadas e com parcimônia. Estaremos nos atualizando a cada minuto e constantemente preparados para informá-los de todas as alterações significativas neste período.
1. Medidas Recentes
a. Lei nº 13.979/2020 – MEDIDAS PARA ENFRENTAMENTO DA EMERGÊNCIA DE SAÚDE PÚBLICA
A primeira norma editada sobre o COVID-19 foi a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, regulamentada pela Portaria MS nº 356, de 12 de março de 2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública, inclusive em matéria trabalhista.
Do ponto de vista do direito do trabalho, a nova legislação prevê algumas situações que chamam atenção do ponto de vista trabalhista, como a adoção das medidas de isolamento e de quarentena de cumprimento obrigatório, além de realização compulsória de exames médicos e testes laboratoriais.
Para esses casos, a lei determina que a ausência do trabalhador ao serviço será considerada como falta justificada, permanecendo a obrigação quanto ao pagamento de salários pelo empregador no período de ausência.
O empregado que ficar afastado do trabalho por mais de 15 dias, desde que atenda aos demais requisitos exigidos pela lei, terá direito ao benefício previdenciário de auxílio-doença comum, a partir do 16º dia de afastamento da atividade.
Até o momento não houve qualquer alteração na legislação previdenciária diante das possíveis medidas restritivas da Lei 13.979/2020. Assim, permanece obrigatória a constatação da incapacidade para o trabalho, mediante a realização de perícia médica perante o INSS.
Para fins do disposto na Lei nº 13.979/2020, considera-se:
- Isolamento: separação de pessoas doentes ou contaminadas, ou de bagagens, meios de transporte, mercadorias ou encomendas postais afetadas, de outros, de maneira a evitar a contaminação ou a propagação do coronavírus;
- Quarentena: restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias suspeitos de contaminação, de maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do coronavírus;
Destaca-se a Portaria Interministerial nº 5/2020, publicada em 17/3/2020, que estabelece que o descumprimento das medidas previstas no artigo 3º da Lei 13.979/2020 acarretará a responsabilização civil, criminal e penal dos agentes infratores.
O dever de comunicar e compartilhar informações é dos médicos do trabalho. Porém, a empresa poderá colaborar com as autoridades sanitárias na comunicação imediata de: (i) possíveis contatos com agentes infecciosos do coronavírus; e, (ii) circulação em áreas consideradas como regiões de contaminação pelo coronavírus.
O compartilhamento entre órgãos e entidades da administração pública de dados essenciais à identificação de pessoas infectadas ou com suspeita de infecção pelo COVID-19 é obrigatório e tem como finalidade exclusiva evitar a propagação da doença. Entretanto, essa obrigação também se estenderá às empresas quando os dados forem solicitados por autoridade sanitária.
b. MP’s nº 927 e 928/2020 – ALTERNATIVAS TRABALHISTAS PARA ENFRENTAMENTO DO ESTADO DE CALAMIDADE PÚBLICA
Em 22/03/2020 o Governo Federal publicou a Medida Provisória nº 927/2020 com principais medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (COVID-19).
A MP regulamentou alguma das opções que já estavam sendo usadas pelas empresas, como o teletrabalho, reduzindo, ainda mais, o risco trabalhista envolvido em tais práticas. A MP considera convalidadas as medidas trabalhistas adotadas por empregadores no período de trinta dias anteriores à data de sua entrada em vigor, desde que não contrariem o disposto na MP.
O ponto principal da MP 927/2020 é a possibilidade de celebração de acordos individuais escritos com os empregados, independente do valor do salário, que terão prevalência sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, desde que respeitados os limites da Constituição Federal.
Contudo, após uma série de críticas à MP 927/2020, especialmente quanto à possibilidade de suspensão de contratos de trabalho por 4 (quatro) meses por meio de acordo individual entre as partes, sem qualquer tipo de remuneração, o Governo Federal revogou referida possibilidade por meio da MP 928/2020 publicada em 23/03/2020.
A MP 928/2020 também altera a Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011), suspendendo os prazos de resposta a órgãos ou entidades da Administração Pública que estejam em regime de quarentena, teletrabalho ou equivalentes, e que dependam de:
- acesso presencial de agentes públicos encarregados da resposta; ou
- agente público ou setor prioritariamente envolvido nas medidas de enfrentamento da pandemia do novo coronavírus.
Assim, com a revogação do artigo 18 (suspensão contrato de trabalho) pela MP 928/2020, as principais medidas de enfrentamento da crise propostas pelo Governo com a MP 927/2020, foram:
Teletrabalho
- Possibilidade de alteração do regime de trabalho sem acordos individuais ou coletivos;
- Comunicação da alteração ao empregado com antecedência de 48 horas;
- Não sujeição dos empregados ao controle de jornada ou pagamento de horas extras;
- Disposições sobre a infraestrutura necessária devem estar previstas no contrato escrito;
- Caso o empregado não tenha os equipamentos e a infraestrutura para o teletrabalho: (i) o empregador fornecerá os equipamentos em regime de comodato e pagará por serviços de infraestrutura; e (ii) na impossibilidade de oferecimento dos equipamentos, o período da jornada será computado como tempo à disposição do empregador;
- Permitida a adoção do teletrabalho para estagiários e aprendizes.
Das Férias Individuais e Coletivas
- O prazo para comunicação de férias (individuais e coletivas) passa a ser de 48 horas;
- As férias poderão ser concedidas, ainda que o empregado não tenha completado o período aquisitivo;
- O pagamento do terço constitucional de férias pode ser feito até 20 de dezembro;
- O pagamento das férias poderá ser feito até o quinto dia do mês subsequente ao início das férias;
- O abono pecuniário (venda de férias) dependerá de concordância do empregador;
- Não aplicáveis o limite máximo de períodos anuais e o limite mínimo de dias corridos previstos na CLT para as férias coletivas. Dispensadas as comunicações prévias ao órgão local do Ministério da Economia e Sindicatos.
Dos Feriados
- Poderá ser antecipado o gozo de feriados não religiosos. O aproveitamento de feriados religiosos depende de concordância do empregado;
- Comunicação da antecipação deverá ser com antecedência de 48 horas;
- Poderão ser utilizados para compensação do saldo de banco de horas.
Do Banco de Horas
- Possibilidade de celebração por acordo individual ou coletivo;
- Compensação no prazo de 18 meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade.
Da Suspensão de Exigências Administrativas em Segurança e Saúde no Trabalho
- Suspensa a obrigatoriedade de realização dos exames médicos ocupacionais e dos treinamentos periódicos previstos em NR’s;
- Exame demissional obrigatório, mas poderá ser dispensado caso o último exame médico tenha sido realizado há menos de 180 dias;
- As CIPA´s poderão ser mantidas até o encerramento do estado de calamidade pública e os processos eleitorais em curso podem ser suspensos.
Suspensão do prazo de pagamento do FGTS
- Suspensa a exigibilidade do recolhimento do FGTS referente a março, abril e maio de 2020. Validade para todos os empregadores;
- O recolhimento poderá ser feito em até 6 parcelas mensais, a partir de julho de 2020;
- O empregador fica obrigado a declarar as informações até 20/06/2020, sendo que as informações prestadas caracterizarão confissão de divida e os valores não declarados serão considerados em atraso;
- Em caso de rescisão contratual, o empregador ficará obrigado a recolher os valores correspondentes e a multa rescisória.
Outras disposições
- Empregados em estabelecimentos de saúde: Possibilidade de prorrogação de jornada mediante acordo escrito e possibilidade de adoção de escalas de horas suplementares entre a 13ª e a 24ª hora do intervalo interjornada. Tais horas poderão ser compensadas por meio de banco de horas (compensação em 18 meses) ou pagas como extras;
- Suspensão dos prazos processuais de processos administrativos por 180 dias;
- Os casos de contaminação pelo coronavírus (COVID-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal;
- Os acordos e convenções coletivas vencidos ou vincendos, podem ser prorrogados por 90 dias;
- Por 180 dias contados da data de entrada em vigor da MP, os Auditores Fiscais do Trabalho atuarão de maneira orientadora, exceto quanto às seguintes irregularidades: (i) falta de registro de empregado; (ii) situações de grave e iminente risco; (iii) ocorrência de acidente de trabalho fatal; e (iv) trabalho em condições análogas às de escravo ou trabalho infantil.
2. Mecanismos Existentes (pré-pandemia) para Lidar com Questões Trabalhistas
Além das medidas já anunciadas, existem algumas opções na legislação vigente, para aplicação em momentos de crises que, apesar de não serem específicas para a situação atual de pandemia, são soluções válidas que podem ser implementadas pelos empregadores desde já.
Algumas destas opções, em especial as que tratam de redução de salário e jornada, dependem de negociação coletiva, mas outras podem ser acordadas diretamente com os empregados. Veja, abaixo, de maneira resumida, cada uma delas:
Lay Off
O lay-off está previsto de duas maneiras na legislação:
- Redução temporária da jornada de trabalho e do salário dos empregados (Artigo 7º da CF e 611-A da CLT); e
- Suspensão dos contratos de trabalho para requalificação profissional (artigo 476-A da CLT).
Nos dois casos deve haver negociação coletiva com o Sindicato.
A primeira hipótese trata de redução de salário e jornada para adequação a cenários temporários de retração.
Já a opção prevista no artigo 476-A da CLT prevê a suspensão dos contratos por período de dois a cinco meses, exigindo como contrapartida o custeio de curso ou programa de qualificação profissional.
Como o contrato estará suspenso e não haverá pagamento de salários, o objeto da negociação com o Sindicato incluirá ajuda compensatória mensal (como bolsa de estudos) e manutenção de benefícios como plano de saúde.
Referia possibilidade havia sido incluída na MP 927/2020, por negociação individual, mas foi duramente criticada, especialmente por permitir que os empregados fiquem 4 meses sem salários e sem qualquer contrapartida do governo (liberação do FAT ou seguro desemprego) ou da empresa.
Licenças remuneradas
Na licença remunerada, o empregado deixa de prestar serviços por determinado período de tempo, sem prejuízo do salário. Nesse caso, o período de licença é computado como tempo de serviço, pois constitui uma interrupção do contrato de trabalho com recebimento normal dos salários.
É recomendável que a licença, mesmo sendo remunerada, seja reduzida a escrito, de modo a prever-se prazo para retorno ao trabalho, com possibilidade de prorrogação ou suspensão a qualquer momento, em razão da situação excepcional em que referida licença é concedida.
Esclarecemos, por fim, que o texto acima não é exaustivo e não representa nem substitui uma recomendação específica a partir de uma análise do caso.
A equipe trabalhista do DDSA – De Luca, Derenusson, Schuttoff Advogados estará à disposição para orientar seus clientes.