Em recente julgamento, a 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, por unanimidade, decidiu negar provimento a um Agravo de Instrumento interposto pela Fazenda do Estado de Minas Gerais, por entender pela impossibilidade de incidência do ITCMD sobre bens localizados no exterior[1].
De acordo com o voto proferido pelo Desembargador Relator, que fora acompanhado pelos demais Desembargadores: “(…) verifica-se que a controvérsia reside na alegada inconstitucionalidade da Lei nº 14.941 de 29 de dezembro de 2003 e do Decreto nº 43.981 de 03 de março de 2005, em confronto com o disposto no Artigo 155, §1º, inciso III, b da Constituição Federal (…)”.
Deveras, conforme prevê a Magna Carta, em seu art. 155, § 1º, inciso III, “a”, para que possa haver a incidência do ITCMD sobre bens localizados no exterior, é necessária a edição de uma Lei Complementar.
Entretanto, os Fiscos Estaduais, de uma forma furtiva, lavram autuações pautando-se na competência legislativa plena, insculpida no artigo 24, § 3º, da Constituição Federal[2].
Utilizar tal argumento é ferir por completo o disposto nos artigos 146 155, ambos da Constituição Federal, pelos seguintes motivos: (i) o citado artigo 24, § 3º, confere competência aos Estados para dirimirem questões locais e (ii) é sabido que é necessária a edição de uma Lei Complementar de caráter nacional.
É de curial importância transcrever trecho do voto proferido pelo Ilmo. Ministro Octavio Gallotti, proferido no RE nº 136.215-4/RJ: “(…) o disposto no § 3º do art. 24 da Constituição não pode, portanto, significar a abolição da Lei Complementar necessária à dirimência de conflitos de competência entre Unidades da Federação. O âmbito do dispositivo está limitado, logicamente, às situações de alcance simplesmente isolado ou local, como também indica a expressão literal da norma, em sua parte final, quando se declara destinada a atender os Estados “em suas peculiaridades”, sem se mostrar assim, pertinente ao trato da matéria tributária que haverá, fatalmente, de compreender o inter-relacionamento de mais um Estado (…)”.
Importa esclarecer que o Tribunal de Justiça de São Paulo possui entendimento pela não incidência do prefalado imposto, conforme decidido na Arguição de Inconstitucionalidade nº 0004604-24.2011.8.26.0000[3]. De acordo com o Tribunal Paulista:
“(…)
O Constituinte atribuiu ao Congresso Nacional a instituição, mediante Lei Complementar nacional, do imposto sobre transmissão causa mortis de bens localizados no exterior. Desse modo, inexistindo no ordenamento jurídico norma nacional a regular a matéria, não pode a legislação paulista, sem as balizas de Lei Complementar, exigir mencionado tributo. Os Estados não dispõem de competência tributária para suprir ausência de Lei Complementar exigida pela Magna Carta.
A alínea b do inciso III do § 1º do art. 155 da Constituição Federal é exceção às hipóteses previstas nos incisos I e II do mesmo parágrafo. A exceção clarifica a regra. Prescinde de Lei Complementar a instituição do imposto sobre transmissão causa mortis e doação de bens imóveis – e respectivos direitos -, móveis, títulos e créditos de empresas situadas em Estado da Federação. Já as alíneas a e b do inciso III especificam a necessidade de regulação por Lei Complementar para as hipóteses de transmissão de bens imóveis ou móveis, corpóreos ou incorpóreos localizados no exterior, bem como de doador ou de de cujus domiciliados ou residentes fora do país ou no caso de inventário processado no exterior.
Com efeito, o que a torna excepcional é a extraterritorialidade do bem, da residência/domicílio do doador/de cujos ou do lugar aonde se processou o inventário.
O Legislador Constituinte atribuiu ao Congresso Nacional um maior debate político sobre os critérios de fixação de normas gerais de competência tributária para a instituição do imposto sobre transmissão de bens, justamente com o intuito de evitar conflitos de competência geradores de bitributação entre os Estados da Federação e entre países com os quais o Brasil possui acordos comerciais, mantendo uniforme o sistema de tributos.
(…)
Não podia o legislador estadual sobrepor ao federal e regular a matéria, criando variado tratamento tributário entre as unidades Federativas. (…)”.
O Supremo Tribunal Federal, com o intuito de dirimir a questão, reconheceu a repercussão geral sobre matéria em 2015 (Tema 825), através do RE 851.108/SP[4].
Estamos à disposição caso necessitem de esclarecimentos acerca destas ou de outras questões.
[1] “AGRAVO DE INSTRUMENTO EM MANDADO DE SEGURANÇA – COBRANÇA DE ITCMD SOBRE BENS MÓVEIS HAVIDOS NO EXTERIOR – CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1º, § 2º, IV, DA LEI ESTADUAL Nº 14.941/03 E DO ART. 2º, II, “D”, DO DECRETO ESTADUAL Nº 43.981/05 – QUESTÃO SUBMETIDA À APRECIAÇÃO DO ÓRGÃO ESPECIAL DESTE EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA – ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE Nº 1.0000.17.092509-3/002 AINDA NÃO JULGADA – MATÉRIA DE REPERCUSSÃO GERAL – RECURSO DESPROVIDO.
I – Para a concessão de liminar em Mandado de Segurança, cabe ao impetrante demonstrar o preenchimento dos requisitos atinentes à medida cautelar, bem como aqueles especialmente dispostos na Lei 12.016/2009, quais sejam: a) a existência de fundamento relevante e b) que do ato impugnado resulte a ineficácia da medida.
II – A constitucionalidade da regulamentação trazida pelo art. 1º, § 2º, IV, da Lei Estadual nº 14.941/03 e pelo art. 2º, II, “d”, do Decreto Estadual nº 43.981/05 é matéria controversa, submetida à apreciação do Órgão Especial deste Egrégio Tribunal de Justiça, por meio da Arguição de Inconstitucionalidade de nº 1.0000.17.092509-3/002, além de ser tema de Repercussão Geral no Supremo Tribunal Federal.
III- Restando comprovados os pressupostos autorizativos da concessão da medida liminar, o desprovimento do recurso é medida que se impõe.”
(TJMG – Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.18.134530-7/001, Relator(a): Des.(a) Wilson Benevides , 7ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 26/03/2019, publicação da súmula em 01/04/2019)
[2] “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
(…)
- 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades. (…)”
[3] “I – Arguição de inconstitucionalidade. A instituição de imposto sobre transmissão ‘causa mortis’ e doação de bens localizados no exterior deve ser feita por meio de Lei Complementar. Inteligência do art. 155, §1°, inciso III, Aline b, da Constituição Federal.
II – O Legislador Constituinte atribuiu ao Congresso Nacional um maior debate político sobre os critérios de fixação de normas gerais de competência tributária para instituição do imposto sobre transmissão de bens – móveis/imóveis, corpóreos/incorpóreos – localizados no exterior, justamente com o intuito de evitar conflitos de competência, geradores de bitributação, entre os Estados da Federação , mantendo uniforme o sistema de tributos.
III – Inconstitucionalidade da alínea ‘b’ do inciso II do art. 4o da Lei paulista n° 10.705, de 28 de dezembro de 2000, reconhecida. Incidente de inconstitucionalidade procedente.”
(TJSP; Incidente De Arguição de Inconstitucionalidade Cível 0004604-24.2011.8.26.0000; Relator (a): Guerrieri Rezende; Órgão Julgador: Órgão Especial; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes 8ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 30/03/2011; Data de Registro: 07/04/2011)
[4] “EMENTA RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. ITCMD. BENS LOCALIZADOS NO EXTERIOR. ARTIGO 155, § 1º, III, LETRAS A E B, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEI COMPLEMENTAR. NORMAS GERAIS. COMPETÊNCIA PARA INSTITUIÇÃO.
É de se definir, nas hipóteses previstas no art. 155, § 1º, III, letras a e b, da Constituição, se, ante a omissão do legislador nacional em estabelecer as normas gerais pertinentes à competência para instituir imposto sobre transmissão causa mortis ou doação de quaisquer bens ou direitos (ITCMD), os Estados-membros podem fazer uso de sua competência legislativa plena com fulcro no art. 24, § 3º, da Constituição e no art. 34, § 3º, do ADCT.”
(RE 851108 RG, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, julgado em 25/06/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-163 DIVULG 19-08-2015 PUBLIC 20-08-2015)