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No início do mês de abril foi publicada a Lei 13.986, resultado da conversão da Medida Provisória nº 897/2019, conhecida como a “MP do Agro”.

O texto aprovado pelo Congresso foi sancionado e sofreu alguns vetos presidenciais, em especial relativos a prazos para renegociação de dívidas e alteração de alíquotas de  tributos, que, nos termos das razões dos vetos, acarretariam em renúncia de receita passível de tributação.

A Lei do Agro era uma demanda do setor, que reclamava aumento da disponibilidade de crédito agrícola com facilitação de formas de garantia. Além disso, a legislação que regulamenta algumas modalidades de cédulas e financiamento estavam previstas em diversas legislações esparsas, que necessitavam atualização, inclusive para adaptá-las à realidade, com vistas a fomentar os negócios desenvolvidos por toda cadeia produtiva do agronegócio por meio de novas alternativas para o financiamento privado deste setor.

A seguir, apresentamos as principais alterações e novidades da Lei nº 13.986/2020 por tópicos:

Fundo Garantidor Solidário “FGS-AGRO” – Arts. 1º ao 6º da Lei 13.986/20 – Trata de modalidade de garantia complementar em favor de instituições financeiras (reforço de garantia) para possibilitar ao produtor rural a obtenção de financiamento para quitar ou renegociar suas dívidas de curto prazo e ganhar fôlego para reestruturar o seu negócio, inclusive as dívidas relativas ao financiamento da infraestrutura e de conectividade rural.

O FGS-AGRO será composto na forma de associação por no mínimo por (2) dois devedores, o credor e o garantidor, se houver. Sendo certo que a lei previu percentuais mínimos de integralização, recursos serão convertidos em cotas para o FGS-AGRO, tendo como como base os saldos devedores das operações financeiras garantidas, quais sejam:

  1. cota primária, de responsabilidade dos devedores, correspondente a 4% (quatro por cento) do saldo devedor;
  2. cota secundária, de responsabilidade do credor, ou na hipótese de consolidação, dos credores originais, correspondente a 4% (quatro por cento) do saldo devedor; e
  3. cota terciária, de responsabilidade do garantidor, se houver, corresponde a 2% (dois por cento) do saldo devedor, podendo ainda tal integralização se operar mediante a redução do saldo devedor do credor garantido pelo FGS-AGRO.

Vale ressaltar que: (i) os percentuais mínimos, acima referidos, podem ser ampliados teoricamente até a totalidade da dívida garantida e em conformidade com o perfil do crédito dos participantes do FGS-AGRO; (ii) o valor integralizado pelos cotistas, ou seja, garantido pelo FGS-AGRO, assegura as operações até o limite dos recursos efetivamente aportados e existentes no FGS-AGRO e são impenhoráveis nos termos da lei, enquanto não devidamente quitadas as operações garantidas, que, da mesma forma, não responderão por outras dívidas e obrigações, presentes ou futuras, contraídas pelos participantes, independentemente da natureza dessas dívidas e obrigações.

Vencidas e não pagas as obrigações garantidas, poderá o credor acionar o FGS-AGRO, constituindo-o em mora e exigir o pagamento do saldo devedor que procederá a quitação deste através da utilização do saldos das cotas, observando o seguinte benefício de ordem de preferência: (i) cota primária; (ii) cota secundária; e (iii) cota terciária, se houver. Após a quitação das dívidas e/ou operações por ele garantidas ou ainda após o exaurimento dos seus recursos, o FGS-AGRO será extinto, sendo certo que na existência de saldo remanescente, o mesmo será devolvido aos seus cotistas na exata proporção da integralização das suas cotas, observada a seguinte ordem: (i) cota terciária, (ii) cota secundária, e (iii) cota primária.

Patrimônio Rural em Afetação – Arts. 7º ao 16 da Lei 13.986/20 – O setor agro (lato sensu) pleiteava a possibilidade de o devedor constituir garantia sobre uma parte especializada do imóvel. Com a nova legislação, desde que respeitado o módulo rural, partes divisíveis de um mesmo imóvel poderão ser utilizadas para garantir diferentes operações de crédito, inclusive aquelas representadas por uma Cédula de Produto Rural “CPR”, quando se tratar de operações de crédito com cooperativas, cerealistas e demais credores ou por uma Cédula Imobiliária Rural “CIR”, quando se tratar de operações financeiras. Além disso, tal garantia abrange o bem imóvel afetado, suas benfeitorias e acessões, com exceção dos bens móveis, das lavouras e semoventes.

Nos termos da lei, o patrimônio rural afetado: (i) será impenhorável em relação à generalidade dos terceiros credores, com exceção dos créditos trabalhistas, previdenciários e fiscais do devedor; (ii) não poderá ser transmitido a qualquer ato translativo do proprietário  e, da mesma forma, poderá ser gravado ou ainda objeto de outras garantias subsequentes; e (iii) o crédito garantido pelo patrimônio de afetação possuirá caráter extraconcursal, não se sujeitando aos efeitos de recuperação judicial, falência ou insolvência civil.

Cédula Imobiliária Rural CIR – Art. 17 ao 29 da Lei 13.986/20 – Nova modalidade de título de crédito, que representa: (i) a promessa de pagamento em dinheiro, decorrente de operação de crédito de qualquer modalidade; e (ii) caracterizado o inadimplemento, a obrigação de entregar em favor do credor, bem imóvel afetado ou fração dele.

A CIR pode ser emitida de forma cartular ou escritural mediante lançamento em sistema de escrituração autorizado pelo Banco Central do Brasil, sendo certo que, em ambos os casos, deverá ser registrada, em até 5 dias úteis a contar de sua emissão, junto à instituição autorizada pelo Banco Central para registro ou depósito de ativos financeiros, sendo um título executivo extrajudicial, representando dívida em dinheiro, líquida, certa, e exigível, correspondente ao valor nela indicado ou ao saldo devedor que ela representa.

A área que constitui o patrimônio rural em afetação para ser constituída deverá ser georreferenciada ao Sistema Geodésico Brasileiro, devendo ser respeitada a área mínima correspondente à fração mínima de parcelamento e/ou o módulo rural da região, o que for menor, na hipótese de incidir sobre parte ou fração do imóvel. Ante o inadimplemento da CIR, o credor terá a prerrogativa de promover a execução da garantia por meio do procedimento extrajudicial da alienação fiduciária de bem imóvel nos termos dos art. 26 e 27 da Lei nº 9.514/1997, com a ressalva de que, de forma diferente da Lei nº  9.514/1997, caso o valor obtido em segundo leilão não seja igual ou superior ao valor da dívida (incluídas as despesas e encargos), o credor terá a prerrogativa de executar o saldo frente ao devedor. Notem que a nova lei é silente e não estabelece qual será o critério de avaliação do imóvel para fins de apuração do saldo, devendo as partes (credor e devedor) estabelecerem tais premissas expressamente quando da da emissão da CIR.

Cédula de Produto Rural  CPR – Art. 42 da Lei nº 13.986/20 – A Lei nº 8.929/94, que dispõe sobre a CPR foi significativamente alterada com intuito de conferir maior segurança, agilidade e modernidade à sua emissão.
Dentre as principais alterações destacamos:

  1. o aumento das hipóteses de emissão da CPR, incluindo-se aquelas com lastro em florestas plantadas, de pesca e aquicultura, assim como produtos submetidos à beneficiamento e/ou primeira industrialização, sendo facultado ao poder executivo a regulamentação dos produtos passíveis de ser objeto de CPR;
  2. o aumento dos legitimados a emitirem a CPR com a inclusão da agroindústria e das entidades que explorem floresta nativa ou plantada no rol de emitentes da CPR;
  3. instituição, em nosso ordenamento, da previsão legal de emissão escritural de CPR, bem como a faculdade de sua assinatura na forma eletrônica, sendo certo que a forma escritural será objeto de lançamento eletrônico de escrituração gerido por entidade autorizada pelo Banco Central do Brasil a exercer tal mister;
  4. possibilidade de emissão da CPR com prestação única ou parcelada, sendo permitida a convenção de juros fixos ou flutuantes, e correção monetária e variação cambial para o resgate deste título; da mesma forma, possibilita-se a emissão de CPR com liquidação financeira, que poderá conter cláusula com correção por variação cambial, sendo atribuição do Conselho Monetário Nacional a prerrogativa de regulamentar tal matéria;
  5. no que concerne às garantias da CPR, em substituição ao rol taxativo existente na Lei 8.929/94, foi expressamente determinado que poderão ser constituídas quaisquer garantias previstas na legislação; possibilitando-se ainda a alienação fiduciária de bens fungíveis e infungíveis, autorizando o procedimento de busca e apreensão dos bens, no termos do Decreto-Lei nº 911/69; e
  6. equiparação da alienação fiduciária de bens fungíveis à figura do penhor agrícola, com a previsão de transferência do vínculo real aos produtos resultantes de eventual beneficiamento.

Títulos do Agronegócio CDA, WA e outros – Art. 43 da Lei nº 13.986/20 – A Lei nº 11.076/04, que dispõe sobre os Títulos de Crédito do Agronegócio como o Certificado de Depósito Agropecuário “CDA”, o Warrant Agropecuário “WA” e outros, também foi significativamente alterada com intuito de conferir maior segurança, agilidade e modernidade à emissão e à circulação de tais títulos.

Dentre as principais alterações destacamos:

  1. possibilidade de emissão de forma cartular ou escritural do CDA e do WA, esta última através de escrituração em meio eletrônico administrado por entidade autorizada pelo Banco Central do Brasil a exercer tal atividade, sendo mantida, portanto, a obrigação de registro eletrônico do CDA e do WA, dentro de 30 (trinta) dias de sua emissão, assim como a exigência de entrega do CDA e do WA emitidos na forma cartular para a entidade custodiante, através do endosso e/ou mandato;
  2. atribuição expressa de proteção face aos efeitos das Recuperações Judiciais ao endossatário do CDA e do WA, reforçando o caráter extraconcursal conferido a tais títulos, assim como  os direitos sobre tais bens ao endossatário final em face do depositário;
  3. possibilidade de emissão do CDA e do WA em favor de investidores estrangeiros não residentes; e
  4. em relação ao Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio “CDCA” e ao Certificado de Recebíveis do Agronegócio “CRA” foi expressamente prevista a possibilidade de inclusão de cláusula de correção pela variação cambial, sendo a regulamentação desta matéria atribuída ao Conselho Monetário Nacional.

Concessão de imóvel rural como garantia a pessoas jurídicas estrangeiras ou equiparadas a estrangeiras – Arts. 51 e 52 da Lei 13.986/20 – A alteração legislativa resolve uma questão há muito discutida, em virtude das restrições para “aquisição” de imóveis rurais por pessoas jurídicas estrangeiras ou pessoas jurídicas equiparadas a estrangeiras, conforme interpretação mais recente da legislação.

De todo modo, muito embora a constituição de garantias sobre imóveis rurais não tenha limitações expressas na legislação, tais restrições foram estendidas para as garantias, especialmente em relação à possibilidade de estrangeiro ou equiparado a estrangeiro ser titular da propriedade resolúvel ou da propriedade em si, caso a garantia viesse a ser executada.

Nesse sentido, a Lei do Agro vem expressamente autorizar a constituição de garantias sobre imóveis rurais e execução destas garantias, inclusive para os imóveis rurais localizados em faixa de fronteira, admitindo, assim, a transferência do imóvel rural objeto da garantia para a liquidação e pagamento da dívida, através de realização de garantia real, de dação em pagamento, ou de qualquer outra forma.

Estas alterações buscam conferir segurança jurídica para atrair o capital estrangeiro (incluindo as pessoas jurídicas estrangeiras e equiparadas) no fomento do agronegócio e para a concessão de crédito garantido por imóvel rural. Muito se discute sobre a operacionalização de grande parte das inovações trazidas pela Lei do Agro, como por exemplo, a constituição, a formalização e a eventual “execução” de patrimônio rural de afetação. Ainda, questiona-se sobre possível utilização de mecanismos de garantia real autorizados pela lei, como forma de aquisição de propriedade rural por estrangeiros e a eles equiparados, fugindo da finalidade desses dispositivos legais.

Por fim, destacamos que a Lei nº. 13.986/2020, dentre outras inovações e diretrizes,  buscou modernizar as operações de concessão de crédito rural com recursos obrigatórios previstos no Decreto-Lei nº 167/1967, ao prever regras aplicáveis à escrituração, assinatura eletrônica, bem assim para otimizar o registro destes títulos e vinculados a financiamento rural.

As equipes de Direito Imobiliário e Ambiental do DDSA – De Luca, Derenusson, Schuttoff Advogados estão à inteira disposição para maiores esclarecimentos e auxílio em casos envolvendo contratos e negócios agrários, de modo a fomentar a atividade agrária e as operações de crédito no âmbito do agronegócio.

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